“Faíscas” límbicas Das Manias (bipolaridade) às crises Psíquicas (epilepsia) – Nubor Orlando Facure

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sistema limbico
O Sistema límbico:

Na superfície medial do cérebro dos mamíferos, no lobo temporal, originou-se o “sistema límbico”, como uma unidade responsável pelas emoções e comportamentos sociais.
Hoje, quando falamos em “cérebro emocional” é o sistema límbico que o representa anatomicamente
Nossos diversos estados emocionais manifestam-se a partir da atividade dessas regiões
Uma de suas áreas mais primitivas são as amigdalas do lobo temporal – elas processam emoções primitivas como, por exemplo, a raiva e o medo – incluindo, inclusive, uma enorme capacidade para armazenar esses estados capacitados por forte emoção e sofrimento, produzindo, no futuro, pela sua simples lembrança, toda resposta fisiológica que sobreveio no primeiro episódio. A ameaça de um assalto ou uma briga no trânsito costumam serem revividos como se estivessem acontecendo de novo.
Diversos fenômenos da nossa esfera psíquica, tanto normal quanto patológica, estão relacionados com o sistema límbico – certas crises de epilepsia e os surtos maníacos dos pacientes bipolares podem ser tidos com “faíscas límbicas”
No caso particular das epilepsias do lobo temporal, há um tipo de crises muito interessantes para relatarmos aqui nesse estudo sobre o sistema límbico – são as chamadas “crises psíquicas”
Vale a pena a descrição de casos da minha experiência pessoal:

As descrições clássicas das “crises psíquicas” fazem referência mais comumente às crises de “Dejá vú” e de “Jamais Vú”. Esses dois quadros são reconhecidos como decorrentes de lesões na base do cérebro na região dos lobos temporais.
No “Dejá vú” (já visto), o paciente relata uma sensação de familiaridade com o ambiente ou com as pessoas, mesmo que lhes sejam estranhas e que ele as esteja vendo pela primeira vez. Num local que lhe seja completamente desconhecido, o paciente, ao ter sua crise, sente uma forte impressão de que já conhece ou já esteve naquele lugar.
Na crise do “Jamais vú” (jamais visto), o paciente manifesta sensação de estranheza em lugares conhecidos ou por pessoas da sua convivência.
Ambas as situações podem ocorrer ocasionalmente com qualquer pessoa normal, mas, no epiléptico, essas sensações são comumente repetitivas, duradouras e incômodas
Muitos epilépticos apresentam outras “crises psíquicas” frequentes, mas, que têm merecido pouco destaque por parecerem corriqueiras, como as mudanças súbitas de humor, uma tristeza súbita ou uma agressividade imotivada e desproporcional que pode beirar a violência.
São em tudo semelhante aos ataques de fúria dos bipolares
mas, vamos continuar:
Há outros tipos de “crises psíquicas”, relativamente raras, em que os próprios pacientes têm muita dificuldade em achar termos adequados para descrevê-las. Elas merecem um estudo meticuloso, procurando-se valorizar as sensações dessas experiências subjetivas, que os pacientes procuram nos passar, ressentindo-se, inclusive, com a incredulidade que a maioria dos médicos manifesta ao ouvi-los.
Os relatos dessas crises, à primeira vista, parecem inconsistentes, inverossímeis, superficiais, misturando-se com os sintomas da própria ansiedade com que esses pacientes sofrem quando vítimas desse tipo de crise.
Elas podem ser muito demoradas, sorrateiras, sem o caráter ictal de subtaniedade das crises convulsivas.
Não há uma afetação da consciência, mas, sim da senso-percepção.
Comprometem a noção de tempo, do espaço, da realidade, do movimento, da noção do Eu e até do pensamento.
Essas várias sensações, relatadas como vivências psíquicas do indivíduo, parecem fornecer preciosa observação revelando a fronteira entre as experiências vividas ora no campo físico ora espiritual por esses pacientes.
Uns poucos relatos entre os que ouvi ajudaram-me a confirmar que o mundo mental de cada um de nós transita numa dimensão espiritual que transcende a experiência física.
Vamos aos casos:
Um deles é médico, frequenta meu consultório desde garoto, por ter convulsões decorrentes de neurocisticercose e, recentemente, procurou-me, acompanhado da esposa, com uma certa inquietação, tentando relatar que, nos últimos dois dias, tinha perdido a capacidade de “acompanhar a passagem do tempo”. Não era a identificação do tempo, das horas ou do dia e da noite. Ele dizia ser uma perda da “noção do tempo”. Os acontecimentos processavam-se na sua mente e quando ele se dava conta, esses acontecimentos já tinham acabado de ocorrer. Ao dirigir-se para seu consultório, conduzindo seu carro pela estrada, fazia as curvas, mas sempre com a ideia de que isso não lhe tomava tempo, porque ocorria na sua mente, literalmente falando, antes de acontecerem fisicamente. O que tinha em mente, do trajeto que percorria, não era uma imaginação, era o próprio acontecimento. Dizia que não lhe fazia sentido o antes ou o depois, porque, tudo o que ocorria em sequência, ele vivenciava ocorrendo simultaneamente. Sua esposa o auxiliava como auxiliar de anestesia e na entrevista me contava que, apesar de permanecer o tempo todo com essas sensações que descrevia, ele procedia normalmente enquanto anestesiava seus pacientes, apenas dizia que toda atitude que tomava já lhe parecia ter ocorrido não como uma premonição, mas como um acontecimento “já feito”, se assim podemos dizer, e, ao terminar a anestesia, para sua mente, os fatos lhe pareciam continuar acontecendo.
A neurologia descreve, também um estado de crise psíquica em que o paciente tem a sensação constante de estar vivendo um sonho. É chamado de “Dreamy States” pelos clássicos.
Tivemos dois pacientes que nos relataram episódios em que sentiam uma alteração no que eles chamavam de “realidade”.
Uma jovem senhora referia que essas sensações a perturbavam ha anos, principalmente à noite ou estivesse perto de muitas pessoas. Isto a deixava insegura. Parecia fazer as coisas por instinto. Insistia em dizer que nas crises tinha a sensação de estar vivendo em um “estágio antes da realidade”.
Um outro paciente com crises semelhantes acrescentava que também tinha a impressão de “não estar vivendo a realidade” e tudo que fazia, para ele, “não tinha conteúdo emocional”.
Duas crianças e dois adultos jovens, que já acompanhávamos por antecedentes de convulsões, nos relataram episódios de percepção alterada no movimento dos objetos e do próprio pensamento.
Ouvi deles expressões do tipo: “os movimentos das coisas e das pessoas parecem aceleradas”: “quando estendo as mãos para pegar um objeto, parece que meus gestos são muito rápidos”; as pessoas atravessam a rua muito depressa”; “fica difícil atravessar a rua com os carros todos correndo”; “tudo ao redor parece estar acelerado”; “as pessoas parecem falar muito rápido”. Um dos garotos dizia ser acordado pela crise. Para um deles, o seu próprio pensamento, quando em crise, parecia acelerado.
Nessas horas ele evitava o diálogo com receio de demonstrar aos outros, alguma perturbação.
Um desses pacientes, com 23 anos, é pintor de paredes e dizia-nos que nas crises, sentia que tudo passava lentamente, seus próprios gestos ao lidar com o pincel lhe pareciam serem feitos em câmara lenta, embora seus colegas não confirmavam essa vagareza. Ele se sentia assim por mais de uma semana seguida, entrando e saindo das crises sem qualquer motivo aparente.
Certa senhora contava-nos que vinha tendo episódios em que parecia se deslocar, sentia-se estar muito longe, “como se num outro mundo”, “ocupando um outro espaço”. Esses episódios duravam 20 minutos e, a seguir, mantendo-se sempre muito lúcida, ela sentia a cabeça vazia, ficava pálida e ofegante. Outros quadros, mais complexos e às vezes muito elaborados, têm sido rotulados como alucinatórios e comumente relacionados com as disritmias do lobo temporal ou as patologias do sono.
Alguns pacientes dizem sentir-se fora do corpo, sensação que a neurologia chama de “despersonalização”. Para outros, os objetos que vêem ou os sons que ouvem, estão aumentados, diminuídos ou distorcidos. Às vezes há uma concentração de cenas e episódios memorizados e o paciente, num relance, recapitula toda a sua existência. Dá-se o nome de “visão panorâmica” da vida.
Tivemos, entre muitos outros, o caso de uma garota de nove anos que nos consultava devido manifestações comuns de epilepsia.
Ela nos relatou que por algumas ocasiões, estando absolutamente desperta, se sente saindo do seu corpo em completa lucidez. Numa dessas últimas crises estava sentada no sofá, assistindo televisão quando, subitamente, se vê, ao lado do corpo físico. Questionei sobres seus medos nesta hora e qual sua atitude ao se ver nessa duplicidade.
Ela respondeu-nos com muita simplicidade que, assustada, procurou se dirigir para perto da televisão para ver se o seu corpo ali sentado a acompanhava.
Os quadros que descrevemos não surpreenderiam qualquer neurologista habituado a atender casos de epilepsia. Seguramente serão atribuídos à presença de distúrbios da atividade neuronal, especialmente do lobo temporal e a maioria deles vai se ver livre dessas crises com medicação disponível para atuar especificamente nas disritmias dessa região.
É curioso, entretanto, que, essas descrições, os relatos de como esses pacientes vivenciam ou “decodificam” a noção do sentido do tempo, da apreensão da realidade, da relação espaço-tempo no deslocamento dos objetos, da síntese e projeção do pensamento, nos permite despretensiosamente conjeturar uma série de semelhanças com certas descrições não acadêmicas na literatura espiritualista.
Os textos especializados em descrições sobre técnicas de meditação, por exemplo, revelam que os “grandes mestres” e “místicos” que atingem os graus mais profundos de interiorização da consciência, fazem interessantes descrições em ralação ao sentido do tempo, ao espaço ocupado pela matéria, à velocidade das partículas de matéria/energia que sintonizam, bem como, o turbilhão do fluxo do pensamento, descrições estas, que ao meu ver, têm correspondência muito provocativa com as dos epilépticos que aqui registramos.
Para nós, espíritas, os conceitos de tempo no mundo espiritual, de espaço na dimensão extra-física, de projeções do pensamento, de deslocamento do corpo espiritual podem ser facilmente reconhecidos nessa série de histórias que registramos. As lesões objetivas que a massa cerebral evidencia nesses quadros são, para mim, nada mais que portas de intercessões entre as duas dimensões, a expressão física de uma realidade que o corpo nos permite palpar e a percepção espiritual que vivenciamos sem os sentidos perceberem.